Lightlark (Lightlark, #1)(2)
Era morte quase certa.
Você está pronta, Isla?, questionou uma voz zombeteira e cruel em sua mente.
O medo só era amenizado por sua curiosidade. Ela sempre desejou mais de... tudo. Mais experiências, mais lugares, mais pessoas.
O lugar para onde estava indo — Lightlark — era feito de “mais”. Isla costumava esgueirar-se por uma vidra?a solta no quarto e fugir para a floresta, até que suas tutoras descobriram e fecharam a passagem. Foi lá que conheceu uma anci? que já havia vivido em Lightlark, assim como todo os Selvagens, antes das maldi??es. Antes da fuga da ilha depois da qual a maioria dos reinos criou novas terras naquela nova e caótica realidade. Suas histórias eram como frutos em uma árvore, doces e escassas. A anci? falava de reis que podiam segurar o sol nas m?os, mulheres de cabelos brancos que faziam o mar dan?ar, de castelos nas nuvens e de flores que desabrochavam puro poder.
Isso foi antes das maldi??es.
Agora, a ilha era uma sombra de si mesma, aprisionada em uma tempestade sem fim que tornava impossível a viagem para lá fora do período do Centenário, por barco ou mesmo por magia.
Uma noite, Isla encontrou a anci? na base uma árvore, deitada de lado. Ela poderia até ter pensado que a mulher estava dormindo, se sua pele bronzeada n?o tivesse se tornado uma casca, se suas veias n?o tivessem se transformado em videiras. Os Selvagens manipulavam a natureza em vida e juntavam-se a ela na morte.
Mas n?o havia nada de natural na morte da anci?. Mesmo com mais de quinhentos anos, mesmo longe da for?a de Lightlark, ela havia morrido cedo demais. Sua morte tinha sido a primeira de muitas.
E era tudo culpa de Isla.
Terra repetiu a pergunta, encarando-a com os olhos verde-escuros, da mesma cor da hera que envolvia o palácio dos Selvagens como uma película cobrindo tudo. Da mesma cor que os de Isla.
— Você está pronta?
Isla assentiu, embora seus dedos tremessem enquanto pegava a coroa à frente. Era uma simples coroa de ouro, adornada com bot?es, folhas e uma cobra sibilante em dourado. Ela a colocou na cabe?a, tomando cuidado para n?o bagun?ar os grampos que mantinham o longo cabelo castanho-escuro longe do rosto.
— Linda — disse Poppy.
Isla n?o precisava ouvir o elogio para saber que era verdade. A beleza era uma dádiva dos Selvagens — e uma maldi??o. Maldi??o que havia causado a morte de sua m?e e que tornava o fato de elas supostamente serem muito parecidas ainda mais perturbador. Poppy encontrou o olhar de Isla no espelho e disse em tom feroz:
— Você é capaz, passarinha. é melhor do que qualquer um deles.
Quem dera isso fosse verdade.
Uma onda de panico encobriu as fei??es de Isla. E se aquela fosse a última vez em que Isla veria suas tutoras? E se nunca voltasse para o seu quarto? Suas m?os agiram por instinto, estendendo-se para elas, querendo tocá-las uma última vez.
Antes que pudesse fazer isso, Terra lan?ou um olhar t?o severo que a fez parar.
O sentimentalismo é egoísta, parecia dizer.
O Centenário n?o era sobre ela. Era preciso salvar seu reino. Seu povo.
Controlando-se, Isla endireitou a postura e se levantou devagar, o peso da coroa parecendo muito maior.
— Sei o que devo fazer — ela disse. Todo governante chegava ao Centenário com um plano. Terra e Poppy martelavam o delas em sua cabe?a desde que Isla era crian?a. — Vou seguir suas ordens.
— Que bom — disse Terra. — Porque você é nossa única esperan?a.
O castelo dos Selvagens possuía mais lugares abertos do que fechados. Os sal?es eram pontes, as árvores estendiam seus bra?os para o corredor e os galhos agarravam suavemente seu vestido como se dissessem adeus. Folhas farfalhavam ao redor de Isla enquanto ela andava pelos c?modos intermináveis nos quais n?o tinha permiss?o para entrar, com Poppy e Terra logo atrás. As videiras se arrastavam pelas paredes. Pássaros entravam e saíam quando queriam. O vento uivava pelos corredores em uma brisa que fazia a capa de Isla esvoa?ar. Ela vestia um tom verde-escuro para homenagear seu reino, um tecido que marcava suas costelas, cintura, joelhos e caía aos seus pés. A capa era de um tecido delicado, t?o translúcido que qualquer pretensa modéstia era desnecessária. Essa escolha representava seu reino tanto quanto a cor.
Os Selvagens sempre se orgulharam de seus corpos, da beleza e das habilidades que tinham. Sempre amaram loucamente, viveram livres e lutaram com ferocidade.
Quinhentos anos antes, os seis reinos — Selvagem, Estelar, Lunar, Etéreo, Solar e Umbra — foram amaldi?oados, e suas for?as transformadas em seu próprio veneno. Cada maldi??o era perversa à sua maneira.
A dos Selvagens era dupla. Eles foram fadados a matar a pessoa por quem se apaixonassem — e a sobreviver exclusivamente de cora??es humanos. Transformaram-se em monstros de beleza terrível, com o cruel poder de seduzir com um único olhar.
Milhares de homens e mulheres Selvagens haviam morrido desde ent?o. O amor tornou-se proibido. Irresponsável. Poucas crian?as nasciam... e o nascimento de meninas sempre fora mais comum no reino. Ainda que o amor tenha várias formas, homens morriam com mais frequência quando as regras eram quebradas, e, aos poucos, os Selvagens se tornaram uma pequena comunidade formada, principalmente, por mulheres guerreiras. Temidas. Odiadas. E fracas, já que menos pessoas significava menos poder. O Centenário era a única chance de acabar com as maldi??es, retornar à glória de outrora e recuperar o poder de que tanto precisavam. Isla era a única chance.