Lightlark (Lightlark, #1)(8)



Isla revirou os olhos.

— Até o jantar.

Celeste virou-se para a porta e formou um sorriso malicioso.

— Que os jogos comecem.





CAPíTULO TRêS


SANGUE





Osol estava se pondo. Parecia uma pequena gema de ovo, quase desaparecendo no horizonte, quando Isla abriu as portas duplas e olhou para a lua que surgia. Ela estava se arrumando, ainda apenas de roupa de baixo. As cortinas brancas quase transparentes sopraram com a brisa, percorrendo seus bra?os, os joelhos nus e os dedos dos pés. Ela se esgueirou para a sacada, a pedra fria sob os pés. Inspirou sal e maresia.

Cuidadosamente, sentou na larga saliência de pedra, e colou os joelhos no peito. E, da mesma forma como fazia em casa, sozinha no quarto, sempre que se sentia ansiosa, solitária e aprisionada, come?ou a cantar.

Cantar era um dom dos Selvagens, algo sedutor. Assim como o canto de suas irm?s, as sereias do mar. A voz de Isla era linda de um jeito anormal, como seda e veludo e sonhos profundos. Ela sabia disso e gostava do som. Apreciava como sua voz podia ser t?o grave quanto o fundo do oceano e t?o aguda quanto o ruído do vento. Ela n?o precisava de música. O mar lá embaixo era o único instrumento necessário, suas ondas batendo violentamente nos penhascos brancos e angustiantes da ilha, como se estivesse tentando olhar para ela.

Ela cantou e cantou, palavras e melodias sem sentido, deixando sua voz ondular, atingir a nota mais aguda e voltar para a mais grave, como se estivesse desenhando em uma tela infinita. Ela cantou para o mar, para a lua, para a escurid?o crescente. Para todas as coisas que n?o tinha sido capaz de ver pelas janelas no reino Selvagem. Finalmente, terminou com uma nota aguda, deixando-a durar o máximo que o f?lego aguentasse. Sorriu para si mesma, sempre surpresa pelo que saía de sua boca. Sempre aliviada pela forma como isso afastava até mesmo seus pensamentos mais sombrios.

Ent?o alguém aplaudiu.

Isla se virou e viu um homem em outra varanda ao longe, t?o escondido nos rec?nditos do castelo que ela nem tinha notado. Praticamente de roupas íntimas e pega desprevenida, Isla se assustou. Virou-se rápido demais, espantada. Seus bra?os giraram nas laterais do corpo, mas n?o adiantou — a gravidade era forte demais.

Ela caiu para trás, escapando da borda.

Sua respira??o ficou presa no peito, e ela gritou em silêncio enquanto caía, agarrando-se ao ar noturno como se as estrelas fossem pontos de apoio.

Apenas o ar encontrou seus dedos, e ela caiu, caiu...

Até o mar rugindo lá embaixo. Sua cabe?a bateu na superfície.

Isla se sentou t?o rapidamente que vomitou água do mar. Sua garganta queimava. Ela piscou várias vezes. Limpou a boca com as costas da m?o.

E descobriu que estava de volta em sua varanda, com uma po?a de água em volta. O cabelo estava pingando. A roupa de baixo grudava no corpo, completamente encharcada. O topo de sua cabe?a latejava de dor. Quando seus dedos passaram cautelosamente pelo local, ela esperava encontrar sangue, mas n?o.

Isla estava viva. N?o se afogou, como deveria ter acontecido. Essa pessoa, o homem que estava observando-a... devia tê-la salvado.

Depois a largou ali, sem nem se preocupar se acordaria.

Quem faria uma coisa dessas?

A parte mais surpreendente n?o era o fato de que ele havia descartado Isla...

Mas que a tinha salvado.

Depois que as maldi??es foram lan?adas, houve caos. Naquela mesma noite, os seis governantes dos reinos se sacrificaram em troca de uma profecia que prometia ser a chave para o fim das maldi??es. Terra e Poppy diziam que sua ancestral tinha liderado os sacrifícios, a primeira a morrer.

Verdade ou n?o, Isla nunca poderia imaginar a for?a necessária para desistir de suas vidas pela chance de salva??o de seu povo. O poder que os seis injetaram na ilha e transferiram para seus reinos fizeram o Centenário possível. A cada cem anos, durante cem dias, os seis reinos tinham a chance de se salvar, por causa desse sacrifício.

A profecia para quebrar as maldi??es tinha três partes, que foram interpretadas de várias maneiras ao longo dos séculos. Uma era clara. Para que as maldi??es fossem erradicadas, um dos seis governantes tinha que morrer. Por isso o Centenário era algo t?o arriscado e temido, para o qual tanto se preparavam. Por isso Terra havia treinado Isla para lutar desde o momento em que ela deu seus primeiros passos.

O afogamento súbito de Isla poderia ter sido o primeiro passo para o cumprimento da profecia. Mas, por algum motivo, a pessoa na varanda quis mantê-la viva.

Por quê?

Sinos ecoaram pelo castelo, fazendo Isla levar um baita susto. Ela contou as badaladas, ent?o xingou.

Para aquele primeiro jantar, ela deveria ter passado uma hora arrumando o cabelo, fazendo um penteado complicado. Deveria escolher o vestido perfeito, passar lo??o de rosas na pele até brilhar e aplicar a maquiagem com precis?o, usando ferramentas que ela aprendera a manejar t?o habilmente quanto suas laminas de arremesso. Todas as coisas que Poppy tinha lhe ensinado.

Em vez disso, penteou o cabelo molhado com os dedos e quase escorregou no rastro de água deixado no ch?o. Colocou o primeiro vestido em que conseguiu p?r as m?os, cal?ou um par de chinelos de seda e pegou a coroa no último instante, colocando-a de qualquer jeito na cabe?a enquanto saia do quarto.

Quase esbarrou na mesma criada Estelar de antes. Sua boca pequena se abriu com o choque, e ela ergueu as m?os por instinto, protegendo-se de um ataque.

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